ARTIGO

Eu estive lá

Eu estive lá

Por Rodrigo Daum

Por Rodrigo Daum

Publicada há 3 anos

Em uma de suas crônicas – “A grama do vizinho” – Martha Medeiros usa essa metáfora para falar da inveja. E nesse olhar parece que a vida do outro é sempre mais interessante, as festas em que não estamos são sempre as mais animadas, a roupa do meu amigo é sempre a mais bonita; afinal, a grama do vizinho é sempre mais verde. Para nos tranquilizar, ela fala que uma das características da adolescência é se sentir deslocado. Para ela, e creio que para muitos de nós, temos a impressão de que nesse período da vida, há alguma festa muito interessante acontecendo em algum do lugar do mundo e para a qual não fomos convidados. Eu tenho essa sensação até hoje. Eu espero muito por uma festa, que eu não sei bem qual é; mas eu não tenho a mínima noção do que fazer no carnaval. 

Muitas vezes, quando revisitamos o passado, temos a impressão de que deixamos de fazer algo, deixamos de conhecer alguma pessoa interessante, deixamos de ir àquela festa pela qual esperamos tanto. E se íamos, ainda faltava algo. O que é exatamente essa busca que parece nunca cessar? Nessa tentativa de achar respostas, revisito muitos acontecimentos, sempre relacionando com minha vida atual. O que eu deixei para trás? 

Em uma sessão, disse à minha terapeuta que iria à casa de meu primo e de sua esposa no final de semana. Eles moram em Santa Albertina, numa casa de sítio e no meio de uma seringueira vasta. São tantas árvores que a luz do sol custa a chegar até nós e parece que sempre é à tardinha. Eles têm um fogão à lenha, cuja chaminé está sempre em atividade, - quando chegamos – o que, mesmo de longe, confere movimento e vida àquele lugar. Ah, o aconchego de uma lareira acesa ou uma refeição à nossa espera!

Pois bem, naquele final de semana em especial, o tempo virou, deu uma chuvinha e a temperatura caiu significativamente. Depois do almoço, nós fomos para a sala e maratonamos novelas do canal Viva. Minha prima foi fazer um café para nós, o cheiro estava delicioso. Enquanto isso, concentrei-me no leve barulho dos pingos da chuva caindo sobre as folhas enquanto sentia o cheiro de terra molhada. Aquele friozinho me tomou conta e me sentia aquecido por meu moletom, deitado no sofá. Foi uma tarde agradável e senti que não queria estar em outro lugar do mundo, nem me interessava o que as outras pessoas estavam fazendo. Eu estava bem e feliz ali. Satisfeito, seguro, rodeado de pessoas que eu sei que me amam. 

Nós temos a estranha mania de nunca estar em um lugar por inteiro. Estamos sempre concentrados na festa de daqui a pouco – e que não chega –, no encontro de amanhã, no trabalho que temos que apresentar ao chefe ou à professora na semana que se aproxima. Ou então recordando os melhores momentos da noite anterior com os amigos, na paisagem bonita que vimos durante a viagem ou no jantar emocionante que tivemos com pessoas queridas na semana que findou. A atividade mais difícil que existe é se concentrar no momento atual. Eu sei disso, mas também tenho essa dificuldade de concentração. Na sessão seguinte, quando ela me perguntou como fora meu final de semana e relatei tudo isso, ela me disse: - Parabéns! Você estava lá. De corpo e de alma presentes. Fiquei feliz com essa observação. 

Chega uma época em que as festas já não nos preocupam mais. O que nos importa são as poucas e boas companhias que conquistamos. Os bons momentos sem que planejemos nada. Simplesmente deixar acontecer. Depois deste dia e desta sessão, comecei a repensar onde mais eu estive durante minha vida. Percebi a intensidade e a saudade com que lembro de cada episódio dela. Constatei então que não deixei de viver nada. Mesmo dizendo aos meus alunos para não terminar o texto com a voz de outra pessoas, vou correr o risco e fazê-lo. Como diz Martha Medeiros – “Melhores festas acontecem dentro nosso apartamento.”  


Rodrigo Daum

Formado em Letras pela Fundação Educacional de Fernandópolis

Pós graduado em Docência para o Ensino Médio, Técnico e Superior

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