ARTIGO

Obesidade mórbida, cirurgia bariátrica e suas interfaces

Obesidade mórbida, cirurgia bariátrica e suas interfaces

Por André Marcelo Lima Pereira, psicólogo

Por André Marcelo Lima Pereira, psicólogo

Publicada há 2 anos

A cirurgia bariátrica, conhecida como cirurgia da obesidade ou de redução de estômago, por princípio destina-se ao tratamento da obesidade mórbida e ou obesidade grave e das doenças associadas ao excesso de gordura corporal. Ela altera a resposta dos órgãos envolvidos, produzindo substâncias hormonais que beneficiam o paciente obeso e possibilitam, principalmente, a perda e o controle ou mesmo cura de doenças endócrinas como diabetes, hiper colesterolemia, hiper uricemia e hipertensão, entre outras.

Tavares, Nunes e Santos (2010, p. 360) definem obesidade como “doença caracterizada pelo acúmulo excessivo de gordura corporal, sendo conseqüência do balanço energético positivo e que acarreta repercussões à saúde, com perda importante na qualidade e no tempo de vida”. A obesidade é doença crônica não transmissível, de prevalência crescente em todo o mundo, e a cirurgia bariátrica apresenta-se como o tratamento mais eficaz para os graus mais severos da doença. O bypass gástrico é a opção técnica mais utilizada no mundo, sendo a laparoscopia a opção preferida dos cirurgiões, com variações técnicas na execução do procedimento (TAVARES; NUNES; SOUSA, 2010; RAMOS et al., 2014).

A prevalência da obesidade nos Estados Unidos da América quase dobrou nos últimos 20 anos. Atualmente, atinge mais de um terço dos americanos. Embora o número de pessoas com sobrepeso e obesidade permaneça estável por volta de 65%, a percentagem de obesos mórbidos tem aumentado a cada ano (RAMOS et al., 2014).

No Brasil, a obesidade e o sobrepeso já alcançam mais da metade da população e, nos últimos anos, a incidência e prevalência vêm crescendo na população adulta e infanto-juvenil (IBGE, 2010), além de ocorrer uma relação entre obesidade e mortalidade (AMANN; SANTOS; GIGANTE, 2019). Em casos da obesidade em graus mais severos, diminuia expectativa de vida dos sujeitos acometidos em até 20 anos e interfere na qualidade de vida devido à associação com outras comorbidades graves como hipertensão arterial sistêmica, diabete mellitus tipo 2, apneia do sono, dislipidemias e doenças ortopédicas severas.

Para a obesidade mórbida e suas comorbidades, a cirurgia bariátrica tem-se revelado o tratamento mais adequado pela sua eficácia e durabilidade, reduzindo a morbimortalidade dos indivíduos acometidos e apresentando resultados superiores ao tratamento clínico (RAMOS et al., 2014).

Marcelino e Patrício (2011) afirmam que o crescimento do número de pessoas obesas é considerado um problema de saúde pública, uma vez que tais doentes sobrecarregam o sistema público de saúde no tratamento de excesso de peso e doenças associadas.O desafio é que a obesidade é uma doença crônica, multifatorial, vinculada a diversos fatores, desde ordem genética aos problemas de ordem socioambiental, principalmente ao estilo de vida (TAVARES; NUNES; SOUSA, 2010), ao qual se pode depreender que 95% ou mais dos casos estão intimamente ligados (SILVA, 2010).

Como doença multifatorial, a obesidade alinha, entre suas causas, a interação de fatores genéticos, metabólicos, sociais, comportamentais e culturais. Na maioria dos casos, vem associada ao abuso da ingestão calórica e ao sedentarismo, com armazenamento do excesso de calorias como tecido adiposo, gerando um balanço energético positivo, que é a diferença entre a quantidade de energia adquirida e gasta na realização das funções vitais e de atividades em geral (MARCELINO; PATRÍCIO, 2011). Tavares, Nunes e Sousa (2010) consideram que fatores sociais, econômicos e culturais contribuem para determinar a obesidade, cujo crescimento parece estar condicionado à concentração das populações no meio urbano e à redução do esforço físico e gasto energético no trabalho, na rotina diária e na crescente industrialização dos alimentos.

Portanto, o estilo de vida, os hábitos alimentares (como aumento no consumo de alimentos ricos em açúcares simples e gordura, com alta densidade energética) e a redução da prática de exercícios físicos contribuem para o surgimento da obesidade (SILVA, 2011). Tais fatores influenciam o balanço energético e são vistos como os principais agentes passíveis de modificação determinantes da obesidade. Acredita-se, também, que fatores genéticos possam estar associados à “eficiência no aproveitamento, armazenamento e mobilização dos nutrientes ingeridos, ao gasto energético [...], ao controle do apetite e ao comportamento alimentar” (TAVARES; NUNES; SOUSA, 2010, p. 361).

Embora a cirurgia bariátrica se tenha mostrado superior a outros tratamentos, não é indicada em todos os casos, uma vez que pode gerar complicações relacionadas ao procedimento: formação de fístulas, hemorragias pós-operatórias, colecistite calculosa, obstrução intestinal, estenose da anastomose gastrojejunal, úlcera marginal, dislipidemia, deficiências nutricionais e ganho de peso (VIEIRA; ISER, 2018), podendo ser acrescidas de distúrbios cardiovasculares, ortopédicos, digestivos, endócrinos, dermatológicos e respiratórios (MARCELINO; PATRÍCIO, 2011). Essas complicações comprometem a saúde de maneira geral e põe em risco a vida do indivíduo.

A indicação de cirurgia bariátrica vem tornando-se mais frequente devido à dificuldade da abordagem clínica de obesos graves, respondendo melhor a um tratamento que traz novas perspectivas para os indivíduos obesos (MARCELINO; PATRÍCIO, 2011). O procedimento auxilia na a redução do peso inicial, em média 40% em um ano apartir da realização da cirurgia. Outros benefícios se sucedem à intervenção: reduz o estômago em cerca de 20 centímetros cúbicos, ou seja, reduzido, o estômago perde até 90% de sua capacidade de absorção, voltando a suportar a quantidade habitual de alimentos: o estômago enche-se rapidamente, a mensagem de saciedade é transmitida ao cérebro fazendo com que a pessoa coma bem menos do que antes.

Por fim, há que se considerar a perspectiva fenomenológica-existencial, segundo a qual o corpo do sujeito, por meio da presença corporal, se conecta e apresenta no mundo (PORTILHO; BARBOSA, 2017). Para Marcelino e Patrício (2011, p. 4771), os sentimentos negativos sobre o corpo levam à “autodepreciação e à baixa autoestima [...], relacionados com a ênfase midiática à inadequação do obeso aos padrões de beleza estabelecidos pela sociedade atual, acrescida da representação da pessoa obesa como não saudável”. Atualmente, o corpo é concebido como um cartão de visitas, e a pessoa procura, de várias maneiras, evitar a ação do tempo sobre ele. Visando à busca por esses resultados confinados à beleza, também se utilizam intervenções diversas, entre elas as cirurgias estéticas e tratamentos de beleza, ou procedimentos como a cirurgia bariátrica com fins estéticos, no sentido de corrigir ou apagar a sanções do tempo sobre o corpo.


Psicólogo André Marcelo Lima Pereira

Email: andremarcelopsicologo@hotmail.com

 

REFERENCIAS

 

AMANN, V. R. A.; L. P. S.; GIGANTE, D. P. Associação entre excesso de peso e obesidade e mortalidade em capitais brasileiras e províncias argentinas. Cad. Saúde Pública,v. 35, n. 12, p. e00192518, 2019.

X IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. Pesquisa de

Orçamentos Familiares - 2008-2009 - Antropometria e estadonutricional de crianças, adolescentes e adultos no Brasil, Ministériodo Planejamento, 2010.

X MARCELINO, L. F.; PATRÍCIO, Z. M. A complexidade da obesidade e o processo de viverapós a cirurgia bariátrica: uma questão de saúde coletiva. Ciência & Saúde Coletiva, v. 16, n. 12, p. 4767-4776, 2011.

X RAMOS, A. C.;SILVA, A. C. S.; RAMOS, M. G.;CANSCO, E. G. C.; GALVÃO-NETO, M. P.; MENEZES, M. A.; GALVÃO, T. D.; BASTOS, E. L. S.Bypass gástrico simplificado: 13 anos de experiência e12.000 pacientes operados. Abcdarqbrascirdig, v. 27, supl. 1, p. 2-8, 2014.

SEGALA, A.; FANDIÑO, J. Indicações e contra-indicações para realização das operações bariátricas. RevBrasPsiquiatr,v. 24, supl. III, p. 68-72, 2002.

X SILVA, M. R. Obesidadee estilo de vida.Revista GETS, Porto Alegre,v.4, n. 1, 7 jun. 2021.

PORTILHO, L. F.; BARBOSA, F. C. Ditadura da beleza: a cirurgia bariátricacomo método de alcance do padrão corporal estabelecido pela sociedade. Revista Brasileira de Ciências da Vida, v. 5, n. 3, 11 jun. 2017.

X TAVARES, T. B.; NUNES, S. M.;SANTOS, M. O.Obesidade e qualidade de vida: revisão da literatura. RevMed Minas Gerais, v. 20, n. 3, p. 359-366, 2010.

X VIEIRA, E.; ISER, B. P. M.Complicações decorrentes de cirurgia bariátrica em pacientes atendidos em um hospital no sul de Santa Catarina.Arq. CatarinMed, v. 47, n 3, p. 74-84., jul./set. 2018.


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