ARTIGO

ANSIEDADE E ABSENTEÍSMO: a riqueza do negócio depende da saúde dos trabalhadores

ANSIEDADE E ABSENTEÍSMO: a riqueza do negócio depende da saúde dos trabalhadores

Por André Marcelo Lima Pereira, psicólogo

Por André Marcelo Lima Pereira, psicólogo

Publicada há 2 anos

Preocupação crescente para a saúde do trabalhador, os transtornos mentais e comportamentais (TMC) decorrem de situações do processo do trabalho e são caracterizados por alterações clínicas e comportamentais significativas, com prejuízo do funcionamento psíquico. Produzem sofrimento relevante e danos em várias áreas do funcionamento mental (RIBEIRO et al., 2019). Atualmente, os TMC estão entre as principais causas de perda de dias de trabalho e de afastamentos laborais com auxílio-doença oferecido pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Originam-se, possivelmente, de “condições de exposição crônica a estressores psicossociais desfavoráveis no trabalho e estão associados a queixas psicossomáticas, sintomas psiquiátricos e mudanças no bem-estar” (SILVA-JÚNIOR; FISHER, 2015, p. 736).

O afastamento (absenteísmo), decorrente de doenças, é um problema de saúde pública e gera impactos sociais, organizacionais e individuais, além de acarretar importantes gastos sociais. Seu monitoramento e avaliação sistemática permitem “subsidiar tomadas de decisão gerencial, assim como o aperfeiçoamento de políticas de recursos humanos, programas de prevenção à saúde do trabalhador e a melhoria da qualidade de vida no trabalho” (CARLOTTO et al., 2019, p. 23).

Dentre os TMC, os transtornos de ansiedade, ou ansiosos, apresentam características desproporcionais em relação ao estímulo e interferem na qualidade de vida. Dentre essas características está um sentimento de medo vago e desagradável, que se manifesta como desconforto ou tensão proveniente de uma antecipação de perigo, ou de algo desconhecido. Os transtornos de ansiedade se associam à ausência no trabalho e afastamentos temporários ou desligamento do trabalhador (FERNANDES et al., 2018; RIBEIRO et al., 2019).

Se não forem tratados, os sintomas de ansiedade persistem produzindo deficiências significativas no funcionamento mental, má qualidade de vida e um enorme fardo econômico. Hipólito (2021, p. 32) destaca que a “ansiedade tende a ser um transtorno de maior cronicidade, geralmente tendo maior duração do que a depressão, assim, é possível que o impacto econômico da ansiedade sobre produtividade seja maior em longo prazo”. Santana et al. (2016) reforçam que os transtornos ansiosos representam a segunda causa de afastamentos laborais e estão relacionados a estressores psicossociais desfavoráveis, que incluem ambientes de trabalho com pouco apoio social, excesso de atividades, recompensas inadequadas ao esforço do trabalhador, comprometimento individual excessivo e más condições dos ambientes e processos de trabalho.

A saúde da população trabalhadora determina a produtividade e o desenvolvimento econômico, enquanto doenças crônicas e transtornos psiquiátricos sobrecarregam a sociedade, as pessoas e as empresas, que pagam pelos custos diretos, indiretos e intangíveis (NOGUEIRA, 2020). Esses custos proveem da assistência médica aos trabalhadores, perdas de produtividade, afastamentos do trabalho (absenteísmo) ou redução da produtividade do trabalhador que comparece ao trabalho, mas sem desempenhar plenamente suas tarefas devido a problemas de saúde (presenteísmo). Baptista (2018) relaciona, entre os custos diretos, as ações necessárias no cuidado à saúde (custos médicos como insumos hospitalares, exames, profissionais de saúde, e custos não médicos como infraestrutura e insumos para atividades administrativas), custos indiretos (custos sociais, relacionados à perda da capacidade produtiva do trabalhador devido ao adoecimento ou à mortalidade precoce, ou redução da produtividade) e custos intangíveis (relacionados a aspectos não mensuráveis vinculados ao cuidado à saúde, como perda do bem-estar, sofrimento e dor).

A Organização Mundial da Saúde (OMS) avalia a saúde, o bem-estar e a segurança no trabalho como aspectos fundamentais para a produtividade, competitividade e sustentabilidade das empresas: “A riqueza do negócio depende da saúde dos trabalhadores” (WHO, 2010, p. 3), e um local de trabalho saudável é “aquele em que trabalhadores e gestores colaboram em um processo de melhoria contínua para proteger e promover saúde, segurança e bem-estar de todos os trabalhadores e a sustentabilidade do local de trabalho” (WHO, 2010, p. 11). Portanto, local de trabalho saudável implica preocupações com a saúde e segurança no ambiente físico de trabalho; bem-estar na área psicossocial neste ambiente, incluindo organização do trabalho e cultura; recursos de saúde pessoal e participação na comunidade para melhorar a saúde dos trabalhadores, suas famílias e outros membros da comunidade.

Esse entendimento reflete uma compreensão da saúde ocupacional que sai do foco exclusivo do ambiente físico de trabalho e evolui para a inclusão de fatores psicossociais e da prática de saúde pessoal. Ebert (2016, p. 10) destaca que doenças do trabalho são consequência de agentes agressivos próprios à função, enquanto as doenças ocupacionais têm origem no sofrimento – o que estabelece uma conexão entre trabalho e adoecimento. Se o trabalho passou por diversas mudanças de significado ao longo da história – de penoso no início a valor social atualmente – e os avanços objetivaram “humanizar” a vida, também posicionou o trabalhador em uma situação paradoxal: é possível trabalhar em condições mais saudáveis, mas também a manipulação das relações humanas afasta o sentido de alienação no trabalho. Para Codo (2004, p.19), “[...] o homem se divorcia de si mesmo pela alienação e, o que não deixa de ser irônico, a trilha que conduz o homem a perder-se é a mesma que o constrói – o trabalho: chegamos ao inferno pelo paraíso do trabalho e também atingimos o paraíso pelo inferno do trabalho. [...] o trabalho é ao mesmo tempo criação e tédio, miséria e fortuna, felicidade e tragédia, realização e tortura dos homens”. 

A organização do trabalho é, “indubitavelmente, a causa de certas descompensações no quadro clínico do trabalhador” (DÉJOURS, 2011, p. 120), e quando um trabalhador não consegue adaptar-se às pressões do cotidiano de trabalho, ampliam-se o turnover e o absenteísmo, além de maior procura pelo serviço médico (EBERT, 2016). Dentre as descompensações no quadro clínico do trabalhador, a ansiedade no ambiente laboral ocupa posição de destaque, produz efeitos danosos no campo psíquico e é uma constante devido à pressão do tempo internalizada em detrimento da segurança física, à busca pela produtividade e resultados, à vigilância exercida por superiores, à ausência de pertencimento e reconhecimento. Essa pressão para adaptação ao trabalho reforça a ansiedade, desencadeia medo e distúrbios clínicos ou psicológicas vivenciados pelo trabalhador de forma subjetiva e silenciosa. As tensões, o sofrimento e as descompensações psicopatológicas ativam mecanismos de defesa para o sujeito controlá-las e proteger a saúde mental contra efeitos negativos e deletérios, riscos, perigos, aumentando a resistência do trabalhador e tornando o trabalho tolerável (DÉJOURS, 2010).

Entendida como preocupação excessiva, persistente, e medo de situações cotidianas, a ansiedade no ambiente corporativo se traduz por um estado psicológico insustentável que prejudica a produtividade e a relação com os colegas e a organização. O trabalhador, compelido pela execução de uma carga horária extensa e preocupado por não conseguir cumpri-la, vê instalados a angústia e o medo de uma possível demissão. A ansiedade permanente se instala a partir de determinados fatores como preocupação excessiva, desmedida responsabilidade, prazos curtos a serem cumpridos, muitas tarefas recaindo sobre uma única pessoa, resultados e metas altas a serem alcançados, muitas vezes acompanhados de uma comunicação agressiva no trabalho. Trata-se de apreensão contínua a afetar o rendimento e acabar gerando desmotivação e insatisfação com os próprios resultados, o que pode implicar quadros de depressão e pânico (ROSANA; SOARES, 2018; RIBEIRO et al., 2019). 

O sujeito ansioso se preocupa com situações e pensamentos negativos que se apresentam de maneira exacerbada. O desgaste físico, emocional e mental gerado pelo trabalho tende a causar apatia, desânimo, hipersensibilidade, emotividade, nervosismo, raiva, respiração ofegante e palpitações no peito, fadiga e cansaço fácil, tensão muscular, e transtornos psiquiátricos como depressão, ansiedade, esquecimento, dificuldade de concentração e queixas somáticas, medos e esquecimentos, despersonalização e inércia, queda no desempenho e na satisfação do trabalhador. Palpitações, falta de ar, tontura e insônia são sintomas físicos mais frequentes (RODRIGUES et al., 2014; FERREIRA, 2020).

Na esfera mental, estados ansiosos geram diversos problemas no corpo do trabalhador, quer ele esteja no ambiente laboral, quer em espaço familiar. Sua origem pode estar no excesso de tarefas e na falta de reconhecimento pelos colegas e pela organização. A ansiedade amplifica a baixa autoestima e o surgimento de transtornos psicológicos como angústia excessiva, desânimo, diminuição do sentimento de alegria e prazer em atividades anteriormente consideradas agradáveis, falta de motivação e apatia, indecisão, insegurança, desesperança, desespero, desamparo, pessimismo e depressão. Em conjunto, esses sintomas ansiosos podem levar a ausências temporárias (absentismos intermitentes) ou mesmo à dispensa ou saída do emprego. Ademais, a vulnerabilidade à sobrecarga emocional e o cansaço ao final do expediente favorecem o “estresse, a ansiedade, a depressão, dentre outros transtornos” mentais ou disfunções psiquiátricas, com comprometimento da saúde mental “resultante de excesso laboral, cognitivo e sobrecarga emocional gerados pela natureza das tarefas e suas condições de execução” (FERNANDES; SOARES; SOARES e SILVA, 2018, p. 219). A ansiedade, o estresse organizacional e a depressão ou somatização têm mais chances de reduzir a capacidade para o trabalho, tido como uma relação direta entre o físico e o psíquico, representando equilíbrio e satisfação ou tensão e adoecimento físico e mental do trabalhador. Abre-se, dessa forma, o caminho para os absenteísmos ou o desligamento do trabalhador.

Como forma de combater os malefícios deste contexto ocupacional, caracterizado pela ansiedade e outros transtornos da saúde mental e absenteísmo, Guimarães, Laudelino Neto e Massuda Júnior (2020) sugerem desenvolver intervenções que integrem ações em três níveis: prevenção primária, direcionadas a fontes estressoras associadas ao indivíduo e aos sistemas sociais; prevenção secundária, no intuito de minimizar impactos e promover recursos individuais e sociais; prevenção terciária, visando à reabilitação dos indivíduos e dos sistemas sociais, como o contexto do trabalho.

LaMontagne et al. (2014) aduzem algumas estratégias de intervenção a serem trabalhadas pelo profissional psicólogo como: ajudar a aumentar a capacidade de resiliência ou de enfrentamento dos trabalhadores especialmente na prevenção primária de forma a antecipar um problema de saúde mental, ou prevenção secundária na tentativa de impedir a progressão do problema já existente. Honório et al. (2021) acrescentam a intervenção da Terapia Cognitiva-comportamental (TCC) em transtornos de ansiedade para identificar sentimentos e pensamentos que orientam o comportamento aflitivo do paciente e modificam as percepções sobre a vida, como forma de preservação ao absenteísmo nascido da ansiedade criada pelo trabalho. A TCC maneja os fatores cognitivos das psicopatologias em um trabalho recíproco e cooperativo entre terapeuta e paciente e procura definir claramente objetivos segundo as questões e os problemas trazidos pelo trabalhador. É importante, porém, realizar uma avaliação clínica prévia do trabalhador, válida como instrumento norteador das intervenções e da dimensão de seu sofrimento e da percepção sobre os aspectos mais perturbadores das crises de ansiedade e suas principais crenças, de modo a formalizar uma aliança terapêutica e promover alterações de comportamentos que estimulem o desenvolvimento de padrões de enfrentamento.

É compreensível o desafio para os gestores no processo de descobrir formas de minimizar os efeitos negativos e “promover ambientes de trabalho saudáveis, pois extrapola ações de âmbito individual e exigem intervenções coletivas, mudanças estruturais, comportamentais e gerenciais” (SANTANA et al., 2016, p. 2). Todavia, conhecer o perfil de adoecimento do trabalhador nas esferas física e mental é uma etapa indispensável nesse processo, porque permite um diagnóstico situacional, “contribui para o reconhecimento dos fatores de risco e auxilia [no planejamento] das estratégias de intervenção direcionadas à melhoria das condições de trabalho, na qualidade de vida e na redução do afastamento laboral [absenteísmo]” (RIBEIRO et al., 2018, p. 7).


Psicólogo André Marcelo Lima Pereira

Email: andremarcelopsicologo@hotmail.com

REFERÊNCIAS

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