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BEM-ESTAR NO TRABALHO: aspectos físicos e psicológicos

BEM-ESTAR NO TRABALHO: aspectos físicos e psicológicos

Por André Marcelo Lima Pereira, psicólogo

Por André Marcelo Lima Pereira, psicólogo

Publicada há 1 ano

A promoção da saúde no ambiente de trabalho é fundamental para o bem-estar de todos os sujeitos ligados à organização e faz parte da compreensão dos fatores que interferem no desenvolvimento humano. Por ser inerente à evolução das pessoas e ocupar a centralidade da vida humana, o trabalho promove a saúde física e mental, atende às necessidades de sobrevivência, ajuda a construir a identidade e é capaz de trazer satisfação e prazer quando bem administrado (MURCHO; JESUS, 2014). Quando mal administrado pela organização, porém, o trabalho tende a traduzir-se em falta de autonomia, desprazer, insatisfação, sofrimento psíquico e mesmo adoecimento (DEJOURS, 2015).

Não existe consenso quanto à compreensão do que seja bem-estar no trabalho (ABREU, 2017). As concepções para representá-lo são divergentes e estão relacionadas a um fator positivo como sentido e satisfação com o trabalho e ausência de conceitos negativos como burnout ou estresse (SIQUEIRA; PADOVAM, 2008; FONTOURA, 2022). Costuma-se relacionar bem-estar e saúde, principalmente, quando fatores diversos estão implicados em ambos, como riscos ambientais de trabalho, fatores de personalidade, estresse ocupacional, segurança, jornadas ou horas trabalhadas, adaptação às exigências da organização, controle do trabalho, estilo gerencial, clima organizacional, entre outros (SIQUEIRA; PADOVAM, 2008).

Pode-se dizer, contudo, que o bem-estar no trabalho demanda um processo de enfrentamento das dificuldades e adaptação do trabalhador à execução das tarefas e, caso esse processo falhe, podem ocorrer desprazer, sofrimento e mesmo o adoecimento: por isso, o trabalho requer um investimento físico e sociopsíquico que, muitas vezes, extrapola a vontade e a capacidade do trabalhador que nega o sofrimento e a submissão ao desejo da produção para atender aos objetivos da organização do trabalho (MENDES, 2007). Dejours e Jayet (2011), Seligmann-Silva (2011), Pereira (2014) e Dejours (2015) identificam que o trabalho seja fonte de prazer e autorrealização, mas também de desprazer, sofrimento, patologias e doenças psicossomáticas, associadas às exigências das tarefas e às situações de trabalho, revelando um confronto entre trabalho e saúde mental. Nestas condições, o trabalhador se depara com a fragilização física e mental e, não conseguindo suportar o desgaste produzido pela “carga de trabalho, a angústia, o isolamento, a perda de sentido do trabalho”, resulta no “comprometimento da sua saúde, tendendo a adoecer” (PEREIRA, 2014, p. 13).

O trabalho significativo, com sentido, e realização humana por meio de tarefas importantes para quem as realiza tendem a vincular-se à satisfação de uma vida saudável (BARBOSA et al., 2016), ao funcionamento social, estado emocional e psicológico positivos, saúde física (SIQUEIRA; PADOVAM, 2008) e condições gerais de felicidade, incluindo realização pessoal e profissional, satisfação, vigor e saúde (SILVA; TOLFO, 2012). A felicidade está associada ao modo como se percebe a vida em geral, ao atingimento de propósitos, de necessidades e expectativas relevantes, ao equilíbrio entre sentimentos positivos e negativos, ao alcance de emoções positivas e prazer. No trabalho, a felicidade está associada ao envolvimento ou engajamento (como completa absorção e assimilação pelo trabalho, sentimento de realização, estado cognitivo positivo, persistente no tempo e de natureza motivacional e social) e ao significado contemplados de modo intenso, recorrente e duradouro (FARSEN et al., 2018; ANDRADE, 2020; FONTOURA, 2022).

Nas organizações que prestam serviços em saúde, o ambiente de trabalho demanda adaptação contínua dos profissionais que mantêm contato direto com os pacientes e seus familiares, o que, muitas vezes, os leva a sujeitar-se a situações de alto estresse, ansiedade e sofrimento, à exaustão emocional e até mesmo à insatisfação com o trabalho, proveniente de vivências de inadaptação subjetiva, mental e física, de dificuldades na organização do trabalho nem sempre explicitadas pelo trabalhador (SCHERER et al., 2021). Esse conjunto de fatores pode implicar erros que colocam em risco a vida das pessoas e impactam diretamente os indicadores de promoção e prevenção da saúde, com prejuízos à saúde física e mental dos trabalhadores (SOUSA et al., 2021).

Há que se observar, todavia, seu contraditório, quando o ambiente de trabalho gera satisfação com as tarefas executadas, relacionada com o significado e o valor atribuído ao trabalho pelo indivíduo, com capacidade de adaptação ao conteúdo das atividades produtivas, à qualidade das relações interpessoais e da tarefa prestada (DEJOURS, 2015). Esse ambiente evoca compromisso e envolvimento com o trabalho, produz bem-estar (ABREU, 2017) e autorrealização com “vivências e sentimentos de felicidade decorrentes de um trabalho concebido como gratificante” (SILVA; TOLFO, 2012, p. 344). Nestas condições, níveis elevados de satisfação com o trabalho contribuem para a diminuição da carga psíquica decorrente do estresse laboral, o que redunda em proteção à saúde mental do trabalhador (SOUSA et al., 2021).

No ambiente da prestação de serviços em saúde, Scherer et al. (2021) consideram que a produção de satisfação e insatisfação depende de duas variáveis: do modo como os profissionais de saúde lidam com os aspectos presentes no processo de trabalho como relação de trabalho, harmoniosa e fluida, ou burocratizada e com falhas, contato com os pacientes/usuários, excesso de cobranças, ausência ou presença do apoio de superiores, e das condições que se apresentam aos trabalhadores, como remuneração, clima organizacional, estrutura física, deficits nos instrumentos de trabalho, sucateamento de materiais e equipamentos, carência na disponibilidade de pessoal para assistência que acaba por exigir ampliação de jornadas laborais e constantes alterações na escala.

O bem-estar, segundo Paiva et al. (2017, p. 3), envolve o engajamento dos trabalhadores que expressam elevados níveis de satisfação no trabalho, “investem mais energia em suas tarefas, demonstram mais entusiasmo enquanto as realizam e, em especial, permanecem mais focados” em seu labor – este é o perfil ideal do profissional desejado pelas organizações que buscam reunir, em seu quadro de colaboradores, “pessoas proativas, responsáveis e comprometidas”. Nesse sentido, a satisfação dos profissionais traz bem-estar ao trabalhador e se define como um diferencial qualitativo substancial, subvencionado por ações organizacionais e ambientais capazes de mobilizar todos os recursos em busca de soluções eficientes dentro do processo de trabalho. É válido destacar que o engajamento combina altos níveis de prazer no trabalho (dedicação) e intensa ativação pessoal (vigor, envolvimento ou absorção social e organizacional, investimentos de energia física e mental), gerando bem-estar e elevados níveis de satisfação ao trabalhador; além disso, o engajamento no trabalho “modula os efeitos diretos dos recursos organizacionais sobre o desempenho, o bem-estar e a qualidade de vida em geral”, formulando benefícios ao trabalhador e à própria organização (CAVALCANTE; SIQUEIRA; KUNIYOSHI, 2014, p. 45).

Murcho e Jesus (2014) e Barbosa et al. (2021) acrescentam, em contrapartida, que o trabalho, além de ser fonte de bem-estar, também pode produzir mal-estar. Esse mal-estar ocupacional é representado, em especial, por estresse profissional ou burnout, associado aos efeitos adversos das condições profissionais e manifesto sob formas diversas como insatisfação profissional, esgotamento ou exaustão física e mental, ansiedade persistente, elevados níveis de estresse, neurose e depressão, falta de investimentos pessoais, desejo de abandonar a profissão e absenteísmos no trabalho. Como resultantes finais, o trabalhador é penalizado com sintomas físicos, cognitivos, emocionais e comportamentais, condições que tendem a extrapolar para além do ambiente de trabalho e invadir o ambiente familiar e social do indivíduo, trazendo-lhe sérias consequências para sua vida pessoal (física e mental) e social.

Nesse quadro e diferentemente do capital humano, constituído pelo conjunto de competências, conhecimentos e habilidades na execução das tarefas – base da evolução e crescimento da organização (DEJOURS, 2015), Cavalcante, Siqueira e Kuniyoshi (2014) valorizam o que chamam de capital psicológico do trabalhador, que envolve eficácia, otimismo, esperança e resiliência, portanto, um estado positivo que compreende autoconfiança diante dos desafios, otimismo em alcançar o sucesso, perseverança em busca dos objetivos mesmo que se tenha de redirecionar caminhos para o sucesso e fomentar a resiliência diante de confrontos com adversidades. Nessa perspectiva, tem-se a Psicologia Positiva como elemento fortalecedor voltado ao estado emocional positivo dos trabalhadores e contribuinte para a melhora de sua relação e desempenho no ambiente de trabalho, bem como o direcionamento das forças e capacidades individuais para o benefício das organizações e para a saúde física e psicológica dos indivíduos (ABREU 2017; VAZQUEZ; FERREIRA; MENDONÇA, 2019).

Assim, o bem-estar no trabalho, muito além do bem-estar físico, engloba o bem-estar psicológico, entendido não mais e tão somente como uma experiência que acumula aceitação e afetos/vínculos cujo ápice se reflete na satisfação e prazer do trabalho, mas que alcança o próprio funcionamento psicológico ótimo do indivíduo. Em outras palavras, o “bem-estar psicológico” vem associado à realização pessoal e à expressão das capacidades e desejos individuais, a um “sentimento presente quando a pessoa se move em direção à autorrealização por meio do desenvolvimento do seu potencial e do alcance de seus objetivos de vida” (CARNEIRO; BASTOS, 2020, p. 123). Trata-se, pois, certamente, de um estado de saúde física, mas também de um estado psicológico caracterizado como uma experiência subjetiva positiva (prazer, satisfação e sentido) em relação ao trabalho – reflexo do estado motivacional expresso em sentimentos de vigor, envolvimento e dedicação ao labor a direcionar o agir do trabalhador – um bem-estar resultante da avaliação cognitiva positiva de aspectos objetivos e subjetivos do trabalho e seus elementos vinculados, em favor de um horizonte de prosperidade, de desenvolvimento e de um estado progressivo de satisfação e bem-estar no ambiente do trabalho.

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REFERÊNCIAS


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